“As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente; o príncipe exige condenação, o juiz aceita o suborno, o grande fala dos maus desejos de sua alma, e, assim, todos eles juntamente urdem a trama” (Mq 7.3).
Você não está lendo a notícia do último escândalo estampada nas manchetes dos jornais. Você está lendo a denúncia do profeta Miqueias, condenando o conluio do poder no território de Judá , setecentos anos antes de Cristo. Os tempos mudaram, os sistemas de governo mudaram, mas o coração do homem continua o mesmo, açodado no pecado e na corrupção. Vejamos alguns aspectos dessa corrupção no texto em epígrafe.
Em primeiro lugar, o crime é organizado. “As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente…”. Desorganizadas são as instituições que reprimem o crime. Desorganizados são os mecanismos escalados para investigar e punir os criminosos. Desorganizada é a sociedade, vítima dos esquemas de corrupção. O crime, planejado e executado pelos poderosos, é meticulosamente calculado, planejado e executado, com o fito de torcer a lei e assaltar o direito do próximo.
Em segundo lugar, os que estão no poder exigem a prática do crime. “… o príncipe exige condenação…”. O príncipe, aquele que está investido de poder, sente-se acima da lei e dos magistrados. Ele não respeita a liturgia do cargo nem se submete à lei. Seu desejo é uma ordem. Sua ordem não pode ser questionada. Ele exige condenação de seus desafetos. Ele exige que aqueles que se interpõem em seu caminho, precisam ser condenados. Não importa se, nesse processo e para esse propósito, a lei seja torcida e a justiça aviltada.
Em terceiro lugar, as cortes se rendem ao suborno para favorecem o crime. “… o juiz aceita suborno…”. Quando o poder judiciário, guardião da lei, julga pela capa do processo e não pelos autos do processo, a justiça transforma-se na mais vil e repugnante opressão. Quando o juiz aceita suborno está dizendo que ele tem preço e que sua consciência está cativa do lucro ou dos interesses subterrâneos dos governantes corruptos. Quando as cortes trabalham em favor dos poderosos, contra lei, sonegando a justiça, elas se estabelecem como a maior ameaça ao povo, que não tem para onde correr nem a quem apelar.
Em quarto lugar, os poderosos, sem pejo, falam de seus intentos criminosos. “… o grande fala dos maus desejos de sua alma…”. O mecanismo é pesado. A rede de corrupção se estendeu para todos os seguimentos da sociedade, a ponto dos que detêm o poder, cometerem seus delitos à luz do dia, e falarem abertamente, sem qualquer recato, de seus intentos criminosos, ou seja, dos maus desejos de sua alma, na certeza de que o Estado está aparelhado para lhes proteger.
Em quinto lugar, o crime é praticado com a cooperação de todos aqueles que deveriam combatê-lo. “… e, assim, todos eles juntamente urdem a trama”. O Estado é constituído segundo o modelo que encontramos no próprio Deus: “Porque o Senhor é o nosso juiz, o Senhor é o nosso legislador, o Senhor é o nosso Rei; ele nos salvará” (Is 33.22). Quando os três poderes se unem não para julgar com retidão, não para legislar com justiça nem para governar com probidade, a nação geme e fica desassistida de esperança. O profeta Miquéias, com firmeza granítica, denuncia a união dos poderes que aparelharam o Estado para urdirem a trama e praticarem o mal. O crime foi praticado, mas não sem o aviso solene de que o salário do pecado é a morte.
O resultado desse conluio no poder para a prática do crime, levou o reino de Judá à destruição. No 586 a.C., os caldeus cercaram Jerusalém, destruíram a cidade, mataram ao fio da espada milhares de pessoas, queimaram o templo e levaram o povo de Judá cativo para a Babilônia. É impossível semear o mal e colher o bem. Acautelemo-nos!
Rev. Hernandes Dias Lopes